domingo, 26 de setembro de 2010

Eugênio Almeida

Por Isabela Dantas

("Eugênio Almeida", ilustração de Milla Scramingnon, 2010)

Dia desses, como de costume, pedi a conta ao garçom para voltarmos ao trabalho, mas antes que ela chegasse fui surpreendida pelo susto de minha amiga que, da janela do Café, avistou  A Mulher do Barba Branca depois de tantos anos. Pensei na hora - O Centro da cidade é realmente uma vila.

A história da Mulher do Barba Branca eu já conhecia de longa data, mas estar diante de personagem assim, quase folclórico, era praticamente um privilégio. Como já nos divertimos e sofremos com as peripécias e as dores da Mulher do Barba Branca...

Há alguns anos, minha amiga costumava frequentar um bistrôzinho perto do Paço às sextas-feiras depois do trabalho. Era um lugarzinho charmoso, aconchegante, com uma clientela quase cativa daquelas cinco mesinhas estilo italiano que compunham o ambiente. A Mulher do Barba Branca era uma delas. Sempre acompanhada do Barba Branca, claro.  

Eles chegavam discretamente, um de cada vez, sentavam-se na mesinha do fundo, e conversavam reservadamente por uma ou duas horas, nunca mais que isso. O Barba Branca olhava o garçom com uma cumplicidade invejável a muitos casais e, em menos de 20 segundos, já tinha em suas mãos a carta de vinhos. Pedia sempre o bom e velho Eugênio Almeida, cumpria todo aquele ritual de conferir a safra, girar a bebida na taça, sentir o aroma, testar o paladar e balançar a cabeça em seguida, em sinal de aprovação, para que o vinho fosse, enfim, servido. A Mulher do Barba Branca a tudo observava em silêncio, sem qualquer interferência.

Assim foi por meses e meses a fio, até que, numa sexta-feira, a mesinha do fundo permeneceu vazia. Semanas se passaram e nada. Outros clientes passaram por ali, rostos novos se alternaram, mas do casal, nem sinal.

Dois meses depois, numa sexta-feira abafada, eis que o improvável acontece:  acompanhada de duas amigas,  de celular em punho, adentra o bar a mulher do Barba Branca, esfusiante, dirigindo-se imediatamente à mesinha do fundo. Acomodou-se sem cerimônia, aguardou que suas companheiras fizessem o mesmo, mirou o garçom com o semblante da cumplicidade aprendido ao longo de meses e meses de observação e, com a carta de vinho em mãos, em menos de 20 segundos pediu o bom e velho Eugênio Almeida, para não arriscar. Apreciou a imagem do rótulo, girou a taça sem muita delicadeza, sentiu o cheirinhinho - mesmo demonstrando não saber exatamente o que estava avaliando -, deu uma boa talagada e falou pro garçom mandar ver.

As amigas alvoroçadas com a desenvoltura da anfitriã, não contiveram os cochichos ao perceberem a entrada do Barba Branca com um buquê de rosas vermelhas que trazia para a Mulher, ao telefone nesse momento. Segundo minha amiga - sempre lacrimosa ao lembrar esta passagem... de tanto gargalhar -, com um sorriso pacificador nos lábios, o homem bradou em alto e bom som - Eu vim para ficar! E absolutamente embaraçada com a situação, a mulher só conseguiu proferir a palavra "HOJE?", em tom desesperado, antes que seu marido, que estacionava o carro lá fora, também entrasse no bar e flagrasse a constrangedora cena em seu ponto mais alto.
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Bom, o que aconteceu depois do barraco armado em pleno bistrô, naquela sexta-feira, ninguém sabe. Minha amiga, fina que é,  nunca mais frequentou o lugar, mas teve notícia de que a Mulher do Barba Branca ainda é vista por lá, sempre acompanhada de Eugênio Almeida, mas, daquele dia em diante, amarga como um café robusto.

  
(Os espressos da Coluna por Milla Sramignon, Grão Café, Centro, Rio de Janeiro, 23.set.10) 

Rua Rodrigo Silva 18, Centro, Rio de Janeiro.
Café Grão Café espresso: R$ 3,30.
Tirado por Vanuza: creme pouco espesso, cor homogênea marrom-claro, aroma intenso e sabor forte.
Padrão de qualidade Coluna Café: Forte



2 comentários:

Ana P! disse...

Adorei! Cenas do cotidiano carioca =]

Coluna Café disse...

Querida Ana P!
Que surpresa boa vê-la por aqui!!!
Venha tomar um cafézinho com a gente qualquer dia desses!
Beijos!