Dia desses, como de costume, pedi a conta ao garçom para voltarmos ao trabalho, mas antes que ela chegasse fui surpreendida pelo susto de minha amiga que, da janela do Café, avistou A Mulher do Barba Branca depois de tantos anos. Pensei na hora - O Centro da cidade é realmente uma vila.
A história da Mulher do Barba Branca eu já conhecia de longa data, mas estar diante de personagem assim, quase folclórico, era praticamente um privilégio. Como já nos divertimos e sofremos com as peripécias e as dores da Mulher do Barba Branca...
Há alguns anos, minha amiga costumava frequentar um bistrôzinho perto do Paço às sextas-feiras depois do trabalho. Era um lugarzinho charmoso, aconchegante, com uma clientela quase cativa daquelas cinco mesinhas estilo italiano que compunham o ambiente. A Mulher do Barba Branca era uma delas. Sempre acompanhada do Barba Branca, claro.
Eles chegavam discretamente, um de cada vez, sentavam-se na mesinha do fundo, e conversavam reservadamente por uma ou duas horas, nunca mais que isso. O Barba Branca olhava o garçom com uma cumplicidade invejável a muitos casais e, em menos de 20 segundos, já tinha em suas mãos a carta de vinhos. Pedia sempre o bom e velho Eugênio Almeida, cumpria todo aquele ritual de conferir a safra, girar a bebida na taça, sentir o aroma, testar o paladar e balançar a cabeça em seguida, em sinal de aprovação, para que o vinho fosse, enfim, servido. A Mulher do Barba Branca a tudo observava em silêncio, sem qualquer interferência.
Assim foi por meses e meses a fio, até que, numa sexta-feira, a mesinha do fundo permeneceu vazia. Semanas se passaram e nada. Outros clientes passaram por ali, rostos novos se alternaram, mas do casal, nem sinal.
Dois meses depois, numa sexta-feira abafada, eis que o improvável acontece: acompanhada de duas amigas, de celular em punho, adentra o bar a mulher do Barba Branca, esfusiante, dirigindo-se imediatamente à mesinha do fundo. Acomodou-se sem cerimônia, aguardou que suas companheiras fizessem o mesmo, mirou o garçom com o semblante da cumplicidade aprendido ao longo de meses e meses de observação e, com a carta de vinho em mãos, em menos de 20 segundos pediu o bom e velho Eugênio Almeida, para não arriscar. Apreciou a imagem do rótulo, girou a taça sem muita delicadeza, sentiu o cheirinhinho - mesmo demonstrando não saber exatamente o que estava avaliando -, deu uma boa talagada e falou pro garçom mandar ver.
As amigas alvoroçadas com a desenvoltura da anfitriã, não contiveram os cochichos ao perceberem a entrada do Barba Branca com um buquê de rosas vermelhas que trazia para a Mulher, ao telefone nesse momento. Segundo minha amiga - sempre lacrimosa ao lembrar esta passagem... de tanto gargalhar -, com um sorriso pacificador nos lábios, o homem bradou em alto e bom som - Eu vim para ficar! E absolutamente embaraçada com a situação, a mulher só conseguiu proferir a palavra "HOJE?", em tom desesperado, antes que seu marido, que estacionava o carro lá fora, também entrasse no bar e flagrasse a constrangedora cena em seu ponto mais alto.
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Bom, o que aconteceu depois do barraco armado em pleno bistrô, naquela sexta-feira, ninguém sabe. Minha amiga, fina que é, nunca mais frequentou o lugar, mas teve notícia de que a Mulher do Barba Branca ainda é vista por lá, sempre acompanhada de Eugênio Almeida, mas, daquele dia em diante, amarga como um café robusto.